Apimentário | O Pecado de Todos Nós

Como conter os ímpetos da carne? O ser humano tendo que se mascarar; a sexualidade como uma repressão; a angústia de ser plenamente infeliz por conta disso. Não à toa que este trabalho dirigido por John Huston foi à frente da época, embora sem sucesso e só cultuado mais de 40 anos após seu lançamento.

Hoje, a sociedade se interessa em absorver um filme que dialoga fortemente sobre a hipocrisia presente no âmbito sulista dos EUA da década de 1950. Baseado no livro de Carson McCullers, O Pecado de Todos Nós instalou novas vertentes narrativas (cenas e roteiro mais direto e com teor sexual) dentro de Hollywood. Por isso, pode-se afirmar que é um trabalho bastante provocador e contundente.

o pecado de todos nós 1967
Marlon Brando e Elizabeth Taylor

A ação ocorre numa base militar onde moram algumas pessoas, logo após a Segunda Guerra Mundial. Neste terreno tão adornado de mentiras, observamos a trajetória do Major Weldon Penderton (Marlon Brando), que vive um casamento  tedioso com sua esposa fogosa, Leonora (Elizabeth Taylor) — logo de início, John Huston escancara as aparências que apenas se acentuam e uma formal relação que guarda segredos.

Leonora, sexualmente liberal, transa com seu vizinho Morris (Brian Keith) em canteiros de amoras; este, por sua vez, negligencia sua esposa Alison (Julie Harris), potencializando sua depressão; uma mulher tida como  “perturbada” por todos. Já Weldon, por trás da frieza e conservadorismo com que lida com a personalidade altiva e sensual da mulher, é um homossexual enrustido.

robert forster
Robert Forster

A construção do filme é ousada, ainda que com pequenas sutilezas, mas que se afasta de outros clássicos como Gata em Teto de Zinco Quente, Vidas Sem Rumo ou mesmo Uma Rua Chamada Pecado, obras de Tennessee Williams que mascaravam os subtextos referentes à homossexualidade, quando adaptados ao cinema. Aqui é o oposto: desde o início, John Huston atesta o caráter e as motivações de cada personagem, sem receio, como se quisesse que o público fosse uma espécie de voyeur do que é explorado em cena.

A intenção não é só descortinar o mundo artificial desses personagens, mas o argumento polêmico se sustenta no desenvolvimento psicológico do major — o homem passa a sufocar-se quando se sente atraído pelo recruta Williams (Robert Foster), jovem introspectivo que tem o hábito de cavalgar pela região sem roupas, despertando atenção (ou seriam desejos?) de todos à sua volta.

Estabelecendo maiores provocações, o roteiro lida com situações maliciosas: o tal recruta nutre um amor platônico por Leonora — diariamente, esconde-se em seu quarto, espreitando-a, num típico exercício de voyeurismo. O senso de “desejo obsessivo” ocorre com Weldon, que imerge numa crise de identidade por conta do tesão que sente pelo soldado. São emocionantes as cenas que Marlon Brando caminha em silêncio na chuva, pensativo, tentando conter o tesão imediato pelo soldado. Em outro momento, ele chora, demonstrando as fragilidades do próprio ser — representação do papel do homossexual vulnerável que sofre com sua condição que precisa ser reprimida. Paralelo a isso, o filme destaca Elizabeth Taylor com uma mulher que ama sexo e não tem pudores; a cena em que caminha nua na frente de Brando, numa fotografia soturna perfeita em sombras, demonstra esse sentido narrativo.

marlon brando
Marlon Brando

John Huston submete o público em momentos homoeróticos — como na cavalgada do recruta nu pelas florestas, sendo observado pelo atento olhar de Wendon; nas cenas de Leonora admirada pelo recruta enquanto dorme; ou mesmo na simbólica, mas não menos contundente, passagem em que Wendon pega um papel utilizado pelo recruta, se apossa e o enrola, transformando-o num formato fálico. O efeito sensual é bem evidente, mas jamais o filme recorre à vulgaridade.

Robert Forster é o símbolo da libido que o filme transpira: tanto Brando quanto Taylor sentem tesão por ele. “Todo aprendizado obtido às custas da normalidade é errado e não deveria trazer felicidade”, é dito em certo momento. O título original — Reflections in a Golden Eye — é simbolicamente externado através do franco diálogo dito pelo criado de Julie Harris, que pinta um pássaro e comenta que nos olhos dourados dele se esconde uma morbidez — metáfora sobre os seres humanos que vivem imersos em suas próprias mentiras e desejos reprimidos. Eis um clássico que merece ser redescoberto por temas ainda tão atuais.

Texto: Cristiano Contreiras

Avaliação do Clube: ★★★✰✰

Ficha técnica

o pecado de todos nós poster

Nome Original: Reflections in a Golden Eye

Ano: 1967

Direção: John Huston

Roteiro: Gladys Hill e Chapman Mortimer

Elenco:Marlon Brando, Elizabeth Taylor, Brian Keith, Julie Harris, Robert Foster

 

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Elaine Timm

Elaine é gaúcha, formada em Jornalismo, atua como social media e curte freelas. Blogueira de várzea, arrisca escritas diversas. Cinéfila, amante dos livros, musical e nerd desde criança, quer ser Jedi, mas ainda é Padawan. Save Ferris.

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